3 de maio de 2010

O ressentimento é um sentimento complexo, sutil e com poderosa influência negativa na grande maioria das pessoas.

O ressentimento é um sentimento complexo, bastante negativo, de sutil e poderosa influência na conduta da grande maioria das pessoas. Todos os elementos perturbadores da harmonia social são, de uma forma ou de outra, atingidos pelo ressentimento. Ele é gerador de desejos contraditórios nos indivíduos, os quais reagem ou manifestam-se quando mordidos pela mágoa, de forma exatamente contrária ao que mais almejamos. Assim, por exemplo, uma criatura feia detesta o belo; o indisciplinado não tolera a disciplina; o pobre detesta o rico. E os exemplos se multiplicam! Se, então, tratar-se de uma pessoa medíocre ou vulgar, mais se acentuará o ressentimento por quase tudo, sobressaindo-se, nessas criaturas, o sentimento de antipatia.

O menosprezo por qualquer coisa de valor que outros possuam, seja material ou não, como no caso de uma honraria, uma medalha ou título honorífico recebido por outrem numa conquista esportiva ou intelectual, caracteriza muito bem o despeitado ou ressentido. Logo se manifestará de forma depreciativa ou desdenhosa contra todo aquele que lhe é superior moral, intelectual e socialmente. O mérito dos outros o afronta.

Muitos ressentidos mantêm-se em permanente estado de amuamento e, por dissimulação, podem mostrar-se até sociáveis e bons camaradas, mas por debaixo da pele de cordeiro escondem o despeito que sentem. Outros, não conseguindo dissimular suas mágoas e refrear seus impulsos, podem apresentar-se mal-humorados, irritados ou zangados, revertendo antipatia e hostilidade a qualquer pretexto. Nesses, uma mágoa ressentida raramente se extingue e pode pipocar a qualquer momento com grande ímpeto, sobrepujando até mesmo, em certos casos, a raiva decorrente dos sentimentos de inveja.

Nós vivemos em uma época de grande progresso material, onde a velocidade dos acontecimentos, das descobertas, da tecnologia, das comunicações, da mídia falada, escrita e televisiva deixa as criaturas obcecadas pela posse de bens de toda espécie, de modo geral inacessíveis à grande maioria dos miseráveis, pobres e excluídos. Isso lhes perturba os valores morais e sociais, já que não conseguem obter o mínimo de conforto, tornando-os morbidamente propensos a desordens afetivas, sentimentais e sociais, surgindo, então, casos crônicos e agudos de ressentimento e despeito. Esse processo se propaga até a classe média, onde estão as pessoas que mais desejam progredir e não se conformam em ficar para trás. E por serem as mais assediadas pelos efeitos da propaganda difundida pela mídia, podem tornar-se angustiadas e ressentidas, caso não consigam obter o que desejam. Descomplicar esta situação é muito difícil e penoso, já que o materialismo impera sobre os sentidos e a espiritualização das criaturas se processa de forma muito lenta.

Nos indivíduos cultos e inteligentes, o ressentimento pode assumir situações imprevisíveis, por se julgarem superiores aos seus competidores e por eles incompreendidos e prejudicados. Isso deriva do sentimento de superestima e não da incapacidade ou inferioridade intelectual. Aqui nesta seara temos de tudo: os audaciosos, aventureiros, críticos de cinema, teatro e arte, especuladores do mercado, invejosos, os que odeiam e até os ciumentos.

O ressentimento manifesta-se, também, a cada passo e sob qualquer pretexto, na convivência familiar, nas escolas, nos ambientes de trabalho, nas instituições e repartições, na política, enfim, onde quer que haja competição e, como esta aparece em toda parte, o ressentido e o despeitado são figuras muito comuns de ser encontradas. Assim, são observados entre ricos e pobres, brutos e feios, inferiores e superiores, fortes e fracos e onde quer que haja sentimento de antipatia e hostilidade. É lógico que os decadentes, os fracos, os degenerados, os ignorantes, os vaidosos, os sectaristas e todos aqueles que vêem suas ambições frustradas são os mais propensos, os mais atingidos pelo ressentimento.

Encontramos também os ressentidos na alta sociedade, nos novos-ricos e figurões ou medalhões freqüentadores de festas, banquetes, chás beneficentes e cerimônias de caridade, onde se exibem luxo, títulos, posições, roupas e jóias de valor. Cultivam o dom de agradar e a sociabilidade, onde aparentam a serenidade que na vida real não possuem. A grande maioria que freqüenta estes meios não passa de exibicionistas da posição e fortuna que conquistaram de maneira fácil e até mesmo inescrupulosa e, não raro, são de notória pobreza cultural e intelectual.

As causas principais do ressentimento, segundo o psicólogo Renato Kehl, no seu livro Psicologia da personalidade, surgem em decorrência de fatores predisponentes, incidentais e subsidiários. De modo geral, o hipotireoidismo ocorre entre as primeiras, causando incapacidade para a apreciação justa dos valores. As causas incidentais estão ligadas ao complexo de inferioridade ou, no sentido oposto, ao estado de superestima ou de hipertrofia do ego. As causas subsidiárias decorrem dos sentimentos provocadores do ressentimento como a inveja, a vaidade, o ciúme, a rivalidade e outros de ordem física, social e étnica.

Do Livro Reflexões Sobre os Sentimentos