27 de abril de 2010

A tolerância é o baluarte do espírito, uma virtude que contribui fortemente para o aprimoramento da espiritualidade.

A tolerância é um dos sentimentos mais difíceis de se praticar em sua plenitude, já que, para tanto, é necessário respeitar o modo de pensar e agir próprio de cada pessoa, mesmo quando se discorda de suas idéias e idiossincrasias. Ela é um baluarte do espírito, uma virtude que contribui fortemente para o aprimoramento da espiritualidade.

Quando um indivíduo age de forma reiteradamente inconsistente e refratária à boa prática moral e à boa convivência, está criando resistência à tolerância, ou seja, o indivíduo ou grupo de indivíduos assume uma posição intolerante. Dessa forma, fica mais prático falar da intolerância e dos intolerantes que grandes males causam a si mesmos e à sociedade.

A intolerância pode atingir milhões de pessoas que rejeitam opiniões contrárias às suas; daí, perseguirem qualquer idéia, crença ou doutrina em desacordo com a sua. Ao longo da História, rios de lágrimas e sangue foram derramados por causa da intolerância religiosa ou política. Dessa forma, a intolerância tem se mostrado nociva ao bom entendimento dentro dos lares, ao progresso humano e à paz, tornando-se motivo de discórdia e acirrados desentendimentos políticos e religiosos, causando crises e mais crises de convivência entre as nações.

A intolerância é sustentada por algumas distorções do caráter e defeitos de comportamento, entre eles a ignorância, o egoísmo e a introversão de alguns sentimentos retrógrados. Aqueles que persistem no desacordo e no egoísmo e se arvoram como donos da verdade, que fogem de um bom diálogo e não sabem ou não querem ouvir e raciocinar sobre as novas idéias expostas por seu interlocutor, praticam a intolerância consciente ou inconscientemente. Também, os tiranos e donos do poder, que abusam deste para impor suas idéias, métodos e pontos de vista, sem o devido debate com a opinião pública, praticam a pior intolerância, já que aqueles que tiverem a ousadia de se lhe oporem, enfrentarão grandes perseguições e dificuldades para continuarem livres, principalmente em regimes totalitários.

O ditado popular que diz que “o pior cego é aquele que não quer ver” aplica-se perfeitamente à grande maioria dos intolerantes, demonstrando na maioria das vezes falta de inteligência ou de discernimento, quando não, de má vontade e caturrice.

Na educação dos filhos, nos lares de todo o mundo, a intolerância dos pais é uma pedra no caminho para o desenvolvimento da personalidade e da evolução espiritual das crianças.

Os instintos egoísticos podem insensibilizar os pobres de espírito e a intolerância deles resultante pode impedir a espontaneidade e o desenvolvimento de muitas criaturas, principalmente das mais tímidas.

Por não concordarem com as idéias e atos de seus interlocutores falta a muitos intolerantes a capacidade para suportar as suas opiniões, expansões e atos, contrapondo-se com teimosia, em vez de fundamentá-las com argumentos lógicos e fortes. Quando dominados pelo egoísmo, muitos intolerantes só vêm o próprio interesse, o que lhes apraz. Suas razões são estreitas e mal fundamentadas, já que são incapazes de um gesto sequer de compreensão e predisposição para mudar os seus pontos de vista.

Em princípio, o intolerante age em desrespeito ao direito alheio, atropelando até mesmo aquilo que poderia ser um bom diálogo, falando e atrapalhando o entendimento, quando deveria ouvir primeiro antes de retrucar. Como julgam estarem sempre certos e donos da verdade, obstinam-se em não ouvir os que deles discordam. Freqüentemente, levantam a voz para fazer valer a sua opinião sobre qualquer outra; enfim, além de tentarem impor suas próprias idéias, tentam sufocar as idéias alheias. Tais indivíduos só vêem as suas idéias, as suas crenças, as suas causas, as suas opiniões e utilizam-se de artifícios para “levarem a melhor”. Em geral, são ranzinzas, mal-humorados, birrentos, manhosos e turrões. Para poder fazer valer suas opiniões são capazes de perder a cabeça, para não perderem a razão que julgam ter. O intolerante, incapaz de ser reto, leva tudo e a todos de roldão, já que a honra ou até mesmo a vida de seus semelhantes nada valem para ele.

A intolerância e a ignorância são irmãs siamesas, inseparáveis uma da outra. Renega-se tudo pelo prazer de discordar ou por ignorância mesmo. É preciso repudiar e rechaçar o misticismo enganoso pregado por grupos católicos e protestantes que nada contribuem para engendrar a convicção nas criaturas. E o que isto quer dizer? Nada mais, nada menos que: a preguiça e a falta de raciocínio levam as criaturas a aceitarem “verdades” montadas para enganar a humanidade. Esta passividade dos medíocres, que atravessam a vida como fieis “cordeiros” e ingênuas “ovelhinhas”, é o caldo de cultura ideal em que medram, em todo o mundo, mais de 8000 crenças, seitas e religiões exploradoras de todo tipo de crendices, “mistérios” e dogmas criados para mantê-las escravizadas aos seus falsos mandamentos.

É portanto necessário praticar e desenvolver a tolerância. Para isto, basta utilizar a inteligência e a vontade forte e equilibrada, direcionadas para o bem. O bom uso da inteligência afasta a criatura da escravização aos preconceitos e ao misticismo e a vontade forte e equilibrada serve para moderar os seus pensamentos e respeitar o direito e o pensamento alheios. Para isso, é preciso resistir aos impulsos de se contrapor, de imediato, às idéias alheias. Evite pois, reagir ao primeiro impulso; ouça primeiro, raciocine e entenda antes de retrucar ou criticar.

Mas, em alguns casos muitos especiais, pode-se admitir a intolerância e, até mesmo, louvá-la. Por exemplo, muitos renovadores e sábios, em todos os tempos, por insistirem em suas idéias e ensinamentos encontraram a resistência dos preconceituosos. A insistência e a firmeza com que cientistas e filósofos defendem suas idéias trazem grandes inovações nos campos das ciências, artes, música, enfim, em todos os campos do saber humano, levando avante o progresso do nosso mundo.

Admite-se, ainda, a intolerância para defender o espírito das leis, dos princípios e fundamentos de nossa sociedade, plasmados na Constituição de cada país moderno e democrático e assim, formar uma frente única contra a violência, o terrorismo, o vandalismo e demais iniquidades morais. Juízes, magistrados e representantes do povo têm, por dever de ofício, de serem intolerantes toda vez que a integridade daqueles princípios corre um risco de rompimento iminente. É preciso combater o vício, as drogas, o erro crasso, as arbitrariedades e a corrupção. Aqui trata-se, na verdade, mais de atos de coragem moral do que de intolerância.

O termo tolerância tem tão relevante importância que grandes autores trataram do assunto. Voltaire escreveu Tratado sobre a tolerância (1763), importante obra em que combateu a rotina, o fanatismo e o despotismo da época. Nesta obra, ressaltou que a falta de discernimento e deficiência intelectual não permitem que a criatura analise as razões alheias com isenção de ânimo.

Todo homem deve praticar a tolerância, embora nem todos sejam bem dotados para este mister. Mas, pelo menos, devem considerar-se advertidos e “vacinados” contra os grandes males que a prática da intolerância causou e vem causando ao progresso humano, como aconteceu nas negras noites da História, na época dos grandes inquisidores Torquemada e Ximenes. Basta citar que, na noite de São Bartolomeu, em 24/08/1572 e nas que lhe seguiram, a intolerância religiosa sacrificou, na França, sob a conivência do rei Carlos IX e da rainha Catarina de Médicis, a vida de mais de 30000 pessoas!

No âmbito individual, há os que se opõem a tudo, verdadeiros ranzinzas, birrentos e rabugentos, para os quais nenhum esforço de tolerância parece dar resultado. Se não houver vínculo familiar, que, por razão do amor e do dever exige dos responsáveis a convivência diária sob rigorosa disciplina com compreensão e amor no trato das questões, o melhor a fazer é afastar-se de tais criaturas.

Finalmente, embora tratando-se de casos menos complexos, é doloroso constatar-se que a intolerância nos lares de todo o mundo, em todas as classes, bem como nas escolas, nas fábricas e nos escritórios, assume verdadeiros casos de dissensão e excitação causados pela exaltação dos ânimos, que pode passar da verborréia às vias de fato.

É óbvio que a convivência familiar exige maior dose de sacrifício de cada um, em que a prática da tolerância reverte em proveito próprio, para maior evolução espiritual do ser.

Do Livro Reflexões Sobre Os Sentimentos.