14 de abril de 2010

A renúncia é um sentimento superior de alto valor para os seres humanos, legando ações meritórias para a humanidade.

A renúncia é um sentimento positivo de alto valor para os seres humanos, consiste em libertar-se dos desejos e ilusões desse mundo em proveito de uma causa e em benefício de seu semelhante e da humanidade. Pela renúncia, os seres humanos submetem-se pacientemente ao sacrifício pela vida. Resignam-se aos prazeres e gozos do mundo, desapegam-se, desprendem-se das coisas e dos desejos negativos. Libertam-se principalmente do egoísmo, do ódio, da inveja, do orgulho e da mentira e cultivam o amor ao próximo, a amizade, o altruísmo e a fraternidade, dedicando-se aos seus semelhantes espontaneamente, dando tudo de si sem nada pedir. A renúncia requer alto grau de espiritualidade, desapego das coisas terrenas, desprendimento daquilo que poderia ter ou conseguir com sua vontade e seu esforço. A criatura que optou por uma vida de renúncias já lapidou o seu caráter e já tem o seu pensamento e a sua vontade voltados para uma vida espiritualmente superior.

O ser humano é seduzido pelas ilusões da vida, pelos prazeres mundanos, pelos desejos malsãos. Centrada em sua individualidade egoística, vale dizer, seu “ego” vê o mundo segundo a ótica das aparências. O egoísmo, ao qual a criatura se torna escrava, marca-lhe os seus pensamentos e sua vontade com toda força para desejar e querer tudo para si e sempre mais e mais. Ao contrário disso, aquele que conhece a vida como força e matéria, percebe que somente o espírito evolui continuamente. Aquele que engrandece sempre o seu espírito com bons pensamentos e boas ações, que penetra e sente a essência das coisas, que entende a globalidade da vida e domina a si mesmo tem lucidez suficiente para afastar-se de todo desejo. E assim procedendo, torna-se cada vez mais racional e chega ao estado de renúncia voluntária. Torna-se um altruísta de verdade, tem tranqüilidade de espírito e expressa essa atitude na forma de humildade e resignação consciente em prol de si mesmo, de uma causa ou de seu semelhante. Torna-se, pois, caritativo, na melhor acepção da palavra, com plena dedicação aos pobres e necessitados, sacrificando-se, assim, pelos seus semelhantes. A criatura renunciada passa a ver a si mesmo em todos os seres e a considerar como seus todos os sofrimentos do mundo. Nesse estado de graça, absorve todas as angústias de que toma conhecimento, como se ela própria fosse a vítima. Sua visão é a de preencher os sofrimentos alheios com zelos e cuidados como se fossem destinados a si mesmo.

O renunciado, mesmo quando privado de toda a alegria que pudesse ter, bem como de todos os bens materiais que pudera acumular em toda a sua vida, desfruta de uma ventura quase completa, é uma criatura feliz, desfruta de uma calma muito grande e de uma paz de espírito inabalável. Nele, todos os desejos se apaziguaram e sua serenidade íntima transcende o seu semblante e irradia-se por todos à sua volta. O único desejo que possui é o de prestar ajuda a quem precisa, espontânea e convincentemente. Ele possui a firmeza de vontade voltada para o bem comum, e sublima em suas ações, em benefício alheio, todo o vigor espiritual de que é dotado.

Somente as criaturas dotadas de grande amor ao próximo, a quem ama mais do que a si mesmo, capazes de se esquivarem ao ódio e às injúrias alheias, podem se compenetrar do valor da renúncia e praticá-la, no seu dia-a-dia, com espontaneidade em prol dos mais pobres e sacrificados. Mas também podem e praticam a renúncia em favor de si mesmas, desapegando-se dos bens materiais e desprezando toda a vaidade e a vanglória do mundo. Não dão valor algum às honrarias, por saberem que são efêmeras, embora encerrem e representem um reconhecimento pelas suas nobilíssimas ações. Carregam no seu íntimo o real sentido da vida verdadeira, da fraternidade universal. Aguardam com segurança o fim de sua vida terrena, não temendo a morte, esperando com serenidade, livrarem-se das ilusões da vida terrena e das peias da matéria.

O renunciado tem uma convicção, uma segurança inabalável em si mesmo e, em tudo o que faz, faz de alma lavada, sem subterfúgios ou hipocrisia, confiante e, com o espírito fortificado pela causa que defende ou abraça, não se sente subjugado por coisa ou força alguma que possa lhe opor resistência e enfrenta com denodo as mais duras privações para realizar o trabalho a que se propôs. Banhado de humildade verdadeira, leva uma vida austera, séria e simples. Dotado assim de tanta força espiritual não lhe faltam seguidores dedicados e honestos que com ele comungam, apoiam a sua causa e a levam a bom termo. Essa polarização consagra o renunciado que trabalha pela comunidade, pelas grandes causas e campanhas, ao mesmo tempo que realimenta as suas forças para prosseguir sempre e sempre no seu trabalho.

Não se deve confundir o renunciado com a criatura caridosa. Esta, quase sempre, procura a louvação pela caridade que faz, pede aprovação da sociedade, a quem faz questão de exibir-se como benevolente ou beneficente. Muitas vezes, o falso caridoso utiliza recursos amealhados ilicitamente através de rapinagem, falcatruas, tramóias e corrupção de toda espécie. Pretende, com as migalhas que distribui, salvar as aparências e até “salvar” a sua alma. Pensa, assim, comprar o céu para não ir para o inferno. Esse, é um tolo sem o saber!

Ao longo de toda a História da Humanidade passaram grandes vultos, respeitados pelo seu espírito de renúncia e abnegação, ficando registradas as nobres causas por que se bateram. No passado remoto, homens e mulheres que foram exemplos edificantes que abraçaram grandes causas renovadoras de costumes, cujos princípios morais perduram até os nossos dias e, certamente, hão de se projetar para o futuro.

Vontade inabalável de servir ao próximo, nas condições mais adversas, encontramos em Albert Schweitzer, alemão nascido em 1875 na Alta Alsácia, hoje território francês, e desencarnado em 1965, em Lambarène, no Gabão – um dos mais atrasados países da África Equatorial. Filósofo e teólogo, foi também um musicista completo, admirador de J. S. Bach, a quem dedicou uma obra de grande repercussão em seu tempo. Em 1905, Schweitzer resolveu tonar-se médico missionário, para dedicar-se ao trabalho filantrópico, formando-se em Medicina em 1913. Com sua mulher, Helène Bressiau, que imbuída dos mesmos ideais tornara-se enfermeira para acompanhá-lo em sua gloriosa missão, foi para Lambarène, Gabão, onde grassava uma epidemia de lepra. Lá construiu o seu hospital com os próprios recursos e com a ajuda dos nativos e passou a dedicar o resto de sua vida a minorar o sofrimento dos seus semelhantes, trabalho este que se intensificou a partir de 1924, agora já com a ajuda de muitos donativos individuais e de instituições filantrópicas. Em 1963, seu hospital tinha 350 leitos, dos quais 150 destinados ao tratamento de leprosos, coroando o êxito de seus abnegados esforços. Esse benemérito missionário da saúde e do bem recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em 1952, pelos seus esforços e dedicação à humanidade. Deixou várias obras escritas, destacando-se Philosophy of Civilization, publicada em 1923, em que lançou as bases de sua filosofia pessoal de "reverência pela vida", que fundamenta um princípio ético a todas as coisas vivas. Assim, com seu meritório trabalho, legou-nos exemplos marcantes de humildade e dedicação ao próximo, verdadeiro renunciado do conforto que poderia ter desfrutado no meio em que vivia.

No Brasil, também tivemos Betinho, acometido da mais terrível doença do século — a AIDS, contraída durante uma transfusão de sangue por ser hemofílico. Nos últimos anos de sua vida, jamais desistindo de viver, organizou e conduziu uma grande cruzada nacional para sensibilizar todos os brasileiros para o combate a essa doença, desdobrando as suas ações, também, em auxílio aos pobres e socialmente desamparados.

São exemplos de renunciados e abnegados de nosso tempo que, também, passarão às paginas da História para serem reverenciados pelas gerações futuras.